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terça-feira, 28 de abril de 2015

Psicanálise Aplicada, Psicanálise Pura e o Passe (IV)

Retomando a questão da identificação que é uma das balizas que podemos estabelecer entre a psicanálise e a psicoterapia, vamos observar que ela ocorre a partir da escolha que o sujeito faz de um certo traço no Outro. Não é um traço qualquer. É um traço tal que o sujeito acredita poder dizer do desejo deste Outro. É um traço que vai dizer que, deste ponto, o sujeito vai ser amado pelo Outro. Este traço idealizado vai constituir o núcleo de sua fantasia, a borda do enquadre da realidade para este sujeito, porque é a partir deste traço que vai se constituir sua fantasia fundamental e que vai dizer como o sujeito interpretou o desejo do Outro. Esse traço é o traço unário (Einzeger Zug). Em outras palavras, este traço é o S1 ao qual o sujeito se encontra assujeitado. É o mestre que dita o caminho que o sujeito deve seguir para ser amado. Quando Lacan diz que a interpretação deve visar, para além da significação, a qual significante o sujeito se encontra assujeitado, é a isso que ele alude. Ora, tudo isto poderá ser traduzido pela fórmula lacaniana: "o desejo é sua interpretação". 
A identificação especular imediata é apenas a sustentação da identificação que está em jogo nesta entrada do S1, já que é esta identificação primeira que sustenta a perspectiva do sujeito no campo do Outro. Em outras palavras: eu desejo o que o Outro deseja que eu deseje. Esta é a perspectiva do sujeito no campo do Outro, onde a identificação especular poderá ser vista como algo que satisfaz. Esta identificação estabiliza a imagem e sustenta o sujeito no mundo de alguma maneira. Na verdade, sempre vão existir pontos de identificação, de ancoragem, afinal Lacan coloca no fim do seu Grafo do Desejo o matema I(A). Estes pontos de ancoragem deverão se sustentar na articulação lógica que vem se instalar ali onde a fantasia fundamental ditava as regras. Isto diz de um novo enlaçamento que se estrutura a partir da responsabilidade e não mais na hipotética garantia do Outro. 
No percurso pelo grafo sempre se esbarra em pontos de ancoragens identificadoras. Na verdade cada ponto de estofo nada mais é que um ponto de identificação significante. 
 Retornando ao percurso de uma análise, vamos dizer que o mal-estar a partir da claudicação do sintoma produz uma demanda ao Outro para que seja reconstituído o sintoma. Uma vez feito o percurso e experimentado o vazio no ponto onde a falta no e do Outro se apresenta, acontece a possibilidade de mudar o endereçamento da demanda que não será mais de reconstituição do sintoma, mas de relançamento do desejo de saber. Não mais de apaziguamento no sintoma, mas de uma inquietação produtiva. 
De volta ao ponto do Ideal do Eu, - o ponto no campo do Outro que o sujeito elege como sendo aquele onde ele pode ser amado e pode ser visto pelo Outro - esse ponto que  permitirá ao sujeito se suportar numa situação dual. Caso não houvesse esse ponto de ancoragem, de identificação no campo do Outro, esta dualidade especular seria insuportável. É o que acontece na psicose, quando a Bejahung fundamental não acontece e, como consequência, falta ao sujeito este ponto de ancoragem produzindo uma tendência a fazer desaparecer o intervalo entre um e outro, sempre que a dualidade especular ocorrer. Na psicose a saída é o delírio, a erotomania; na neurose é o amor. A diferença entre um e outro fica por conta da certeza que o psicótico tem. Para o neurótico, mesmo que seu amor seja tão intenso que o faça sentir-se colado ao outro, vai existir uma certa distância colocada pela dúvida: será que ele me ama mesmo? Na psicose a certeza é plena: ele me ama, ou ele me odeia.
Na relação especular, o amor sustenta o engano, mas é nesta relação que se instala o significante necessário à introdução de uma perspectiva centrada sobre o ponto do ideal.  Este ponto, este traço, para que ele possa se tornar um ponto de visada do sujeito, tem que ser um traço que se refere ao objeto 'a'. Ele é o traço que marca a borda de onde o objeto foi subtraído. O “I” é o significante que desenha o contorno nesta borda. É um significante qualquer, mas não pode ser qualquer um. É aquele eleito por estar mais próximo do objeto perdido, por isso Lacan matemiza assim este ideal: I(a). Sustentado por este traço instala-se o sujeito suposto saber a partir do significante da transferência. Todo o trabalho de análise, todo o trabalho da interpretação, vai à direção de promover a separação deste I do a, para reconstituir, no final, o I(A) na transferência de trabalho. 
Nesta coalescência do traço com o objeto, um dando suporte ao outro, um fazendo o outro existir na sua ausência é que vai se estabelecer o engano da transferência. Este engano pode-se dizer, muito simplesmente, é o seguinte: se você tem o traço da borda do objeto, você tem o objeto. Neste ponto acontece algo de paradoxal, pois, ao perceber que as coisas não são bem assim, ao se deparar com o vazio deste objeto vai acontecer, como diz Lacan, a descoberta do analista, pois dirigindo-se ao sujeito suposto saber para se sustentar na alienação do seu sintoma, o analisante vai encontrar um analista e se deparar com este vazio, com esta inconsistência do Outro.
Sabemos que toda intervenção do analista aponta para o final de análise. Em outras palavras, não há final de análise sem interpretação. Cumpre ressaltar que há intervenções do analista que não são interpretações. É preciso que haja pelo menos uma interpretação que faça descolar o I do a para que se possa alcançar o final de análise.  
Um analista é aquele que escuta por detrás dos ditos do analisante. É preciso que ele saiba que existe um para-além da demanda endereçada ao sujeito suposto saber, que é uma demanda de amor. É preciso que ele saiba que, se a demanda de amor aponta para um mais-além, o desejo aponta para um mais-aquém. Por isso Lacan forjou esta frase tão contundente quando ele tratou do amor de transferência: "Eu te amo, mas porque, inexplicavelmente eu amo em ti qualquer coisa mais do que tu, o objeto a, eu te mutilo". E Lacan continua dizendo que apesar desta fala apontar para o oral, ela nada tem a ver com a nutrição pois seu acento recai totalmente neste efeito de mutilação. É o que vai nos apontar a possível continuação da fala do analisante: "Eu me dou a ti, mas esse dom de minha pessoa - mistério!, se transforma, inexplicavelmente em presente de merda". 
Na verdade, se pensamos no agalma, este que sustenta a transferência, este que está dentro do Sileno e que ninguém viu, ele é resto. Quando após esta passagem em que o psicanalista se transforma em resto, pode-se dizer que será possível dar-nos conta da vertigem que acontece quando estamos diante de uma página em branco. Esta distância entre o ideal e o objeto criado, estabelecido pelo princípio de realidade é que promove esta desidealização aterrorizadora.
A liquidação da transferência é um assunto de destituição do sujeito suposto saber que se transforma num resto, exatamente este resto que nunca foi absorvido pelo saber suposto e que ao final, será elevado à condição de causa de desejo. É quando, finalmente, o analista estará reduzido ao representante da representação do objeto "a".

sábado, 18 de abril de 2015

Psicanálise Aplicada, Psicanálise Pura e o Passe (III)

Um pouco de topologia pode nos auxiliar a definir como esse caminho se desenha e ajudar a diferenciar uma psicoterapia de uma psicanálise.
Não fazendo silêncio, o analista impede que o objeto "a" possa reinar como semblante. O que vai acontecer, como consequência, é o favorecimento a uma identificação a partir mesmo da ação da sugestão através do convencimento, como vimos nos textos anteriores. Este movimento dirige o vetor para o andar inferior do Grafo estabelecendo duas posições distintas para os dois sujeitos em questão: o terapeuta e o paciente. Eles permanecerão, indefinidamente, cada qual do seu lado sem que as intervenções possam produzir efeito. Teremos então uma topologia da banda circular, com suas duas bordas e suas duas faces, para mostrar que estão presentes dois sujeitos e, portanto dois sentidos sem que nenhum, nunca, possa intervir sobre o outro. 
Quando, no entanto, o desejo do analista opera fazendo reinar o objeto "a" ali onde uma resposta é esperada, o vetor é lançado na direção do andar superior do Grafo e, em função mesmo da não resposta, sofre uma meia volta e retorna, ao sujeito, como sua própria mensagem invertida. A topologia que se desenha não é mais a da banda circular, mas sim a da Banda de Moebius, dizendo que em uma análise temos apenas um sujeito em questão, pois a estrutura desta superfície demonstra a existência de um só lado e de um só corte.
Esta articulação coloca uma questão e abre a possibilidade de discutir um outro aspecto desta diferenciação entre psicanálise e psicoterapia: trata-se do que encontramos no momento em que Lacan trabalha, especificamente no Seminário XI, o conceito de liquidação da transferência. Ali ele estabelece um dialogo com os conceitos estabelecidos pela IPA, no que diz respeito ao final de análise. O corpo teórico que sustenta o trabalho na IPA vai na direção de acreditar que no final da análise a transferência poderia ser liquidada. Para tanto, seria fundamental que o analista levasse o sujeito a não deixar resto algum, já que a identificação, como é de nosso conhecimento, se estrutura em torno do eixo imaginário e a partir da idealização. Desta forma, um "Eu" (moi) surgiria ali onde um sujeito, enquanto resposta do real, deveria surgir. Teríamos, então, um reforço da alienação e não a separação buscada.
Retomando o Grafo, lembro-lhes que Lacan, ao construí-lo, descreve este pequeno (d), como índice do estado de desamparo (detresse - hilflosigkeit) no qual se encontra a criança em seu primeiro encontro com o Outro (descrito por Freud como Nebemmensch). O passo seguinte é a passagem pelas demandas do Outro ($ <> D) onde vão se estruturar as pulsões em seu movimento de ir e vir  em torno do vazio da falta no Outro S(A/). Uma relação muito especial vai se estabelecer a partir da interpretação que se faz desta falta, construindo-se uma cena ($<>a) que precisa ser retificada para que um saber aí fazer com seu sintoma possa advir em s(A). Isso só é possível porque uma nova referência ao desejo (d) pode ser mantida. É por isso que afirmamos que só há um sujeito em questão na análise, o analisante, e que é somente a partir de um ponto fora da linha - que correlaciono, nesta situação, à função do desejo do analista - será possível sustentar o corte de uma linha sem pontos.  
Retomo o que acabo de dizer por um outro caminho. Partindo do conceito de Sujeito Suposto Saber, Lacan vai nos dizer que esse sujeito, que supostamente sabe sobre o analisante, na verdade nada sabe. O que se liquida na transferência, portanto, é esta suposição de saber, já que durante o processo, a cada intervenção do analista ela vai sendo desfeita. Em outras palavras, como nos diz Lacan, este sujeito suposto saber deve ser considerado liquidado exatamente no momento da análise em que se começa, a saber, alguma coisa. Por isso ele pode, neste momento, ser chamado de sujeito suposto vaporizado. Ainda uma outra forma de se dizer isto, com Lacan, é que a sustentação da transferência se dá pelo fato do analista se colocar como um "X" para o analisante. Quando o analisante vai, passo a passo, esburacando este lugar, o analista vai perdendo esta aura de suposição de saber. A conseqüência disto é que o analista não vai mais ter o poder de relançar o sujeito para mais uma volta no seu percurso. Espera-se que este momento seja aquele que venha encerrar um tempo de compreender e o sujeito em questão possa fazer uma passagem a partir mesmo do resto em que o sujeito suposto saber se transforma. 
Para além de suas vestimentas imaginárias, semblantes que o analista pode encarnar para um sujeito, ver-se-á cair do lugar do Outro do saber para o lugar do "a", objeto libidinal. 
 Esta passagem, como a conhecemos na teoria de Lacan, é a passagem de analisante a analista, quando este sujeito deseja, ele mesmo prestar-se a sustentar este lugar de causa.
Este termo "liquidação da transferência", se ele tem um sentido, é o da liquidação permanente deste engano através do qual a transferência tende a exercer o fechamento do inconsciente. Ou seja, no duplo movimento da transferência onde o sujeito se engancha supondo um saber ao Outro - estabelecendo o amor de transferência - vamos ver acontecer o engodo do tamponamento da falta do Outro. Este mecanismo é o da relação narcísica onde o sujeito tenta se colocar no lugar em que ele acredita poder ser amado pelo Outro. É na relação de miragem, proposta pelo eixo a-a’, que o sujeito irá se referenciar para convencer-se amável. 
Podemos tomar o esquema L, na tentativa de explicitar este mecanismo:
Vamos instalar o sujeito que chega no lugar de S, dizendo que ele aí está na mais pura ignorância do que lhe causa mal. O que este sujeito vem buscar no Outro a quem ele supõe um saber é um traço qualquer que possa dizer-lhe o que na verdade ele é. Este traço poderá ser tomado aqui na sua referência ao objeto 'a', na medida que é este traço que faz a borda deste objeto que, na verdade é um vazio no espelho. A partir daí, vai se estabelecer uma relação de transferência e o sujeito vai se identificar a este traço na esperança de que, assim colocado, seja amado pelo Outro que vai lhe fornecer a resposta para a questão de sua existência.
Alguns esclarecimentos são necessários: Na verdade a questão da existência do sujeito se coloca a partir de um Outro lugar, e não a partir de um outro sujeito como se tenta acreditar na relação transferencial, que se sustenta no eixo a - a', eixo narcísico, lugar do engodo amoroso.
Cada vez que o analista intervém, ele o faz como se fosse a boca do Outro (A) visando o sujeito do inconsciente ($), naquilo que ele tem de mais íntimo, kern unseres wessen, o coração do nosso ser, ou seja, o que não tem palavra S(A/), ou ainda a causa de desejo.
O que se espera liquidar, então, é esta suposição de saber que se estabelece no eixo da relação narcísica e que tende a exercer o fechamento do inconsciente.
Lacan chamou este eixo narcísico, imaginário, de muro da linguagem. Isto pode parecer estranho, colocar a linguagem no eixo imaginário, uma vez que a linguagem seria simbólica. No entanto, o que temos aqui é um muro da linguagem que se constitui pelo véu do sentido que impregna a fala do sujeito quando ele se dirige ao outro, exatamente para escamotear a sua relação ao Outro. Desta forma estará impedido o acesso do Simbólico ao Real, estabelecido, aqui, pelo eixo A - S. Ora, cada vez que o analista intervém, ele o faz do lugar do Outro, como nos diz Lacan em "A direção do tratamento...", promovendo uma brecha neste muro da linguagem, esburacando esta cortina de sentido que cega o sujeito. Este momento se traduz, na clínica, por aquela surpresa que têm, analista e analisante, quando o sujeito que está falando no divã, imerso e gozando de um sentido preestabelecido, percebe-se pego em um vazio que produz uma mudança. Este momento é fugaz, mas fundamental. É o momento quando podemos testemunhar o aparecimento do sujeito como resposta do real no estabelecimento de um novo sentido que se apresenta promovendo o fechamento do inconsciente. Podemos dizer que é isto que produz um ato: relança o sujeito em uma nova cadeia significante, uma nova série produzindo no lugar da verdade um saber que possa sustentar a causa de desejo”.

terça-feira, 14 de abril de 2015

Psicanálise Aplicada, Psicanálise Pura e o Passe (II)

É somente deste lugar, a partir da instalação do amor de transferência, que uma interpretação pode operar. A interpretação que deverá apontar para o vazio, assim como o dedo de São João no conhecido quadro de Leonardo Da Vinci. Em outras palavras, a interpretação, como Freud a apresenta, é onde as pontas que se tem, os clarões de verdade que se tem,   podem fazer uma construção. Isso, do lado do analista. Freud nos diz que essa construção deve ser comunicada ao paciente quando convém. Nisso ele se distingue de Lacan que nos apresentou o ato. Do lado do analisante, o mesmo termo de construção se impõe. Fala-se de construção da fantasia fundamental.
O que se objetiva, no final das contas, é uma primeira desarticulação do binário S1-S2 que, enquanto enunciado, enquanto sentido, sustenta sob a barra a relação de um sujeito com um objeto que ele escolheu a partir da interpretação que ele fez do desejo do Outro ($<>a). Objeto esse que ele acredita poder consistir o Outro. A interpretação, portanto, abre um buraco no sentido até então estabelecido. Este vazio cria um estado de desamparo (hilflösigkeit) não deixando outra saída ao sujeito senão o bem-dizer, pois deslocando-se do eixo do enunciado para o da enunciação, ele se depara com a verdade que circula entre o gozo e a castração e que se elabora como uma relação do sujeito à pulsão. É neste ponto, e somente aí, que o sujeito poderá saber da causa de seu desejo, pois pela via da fantasia, esta causa está dissimulada pelos benefícios secundários.

Este é o trajeto que vai preparar o momento em que um ato analítico poderá acontecer e possibilitar a que experiência da fantasia  fundamental possa tornar-se pulsão.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

Psicanálise Aplicada, Psicanálise Pura e o Passe (I)

O que lhes trago hoje é uma re-elaboração de conceitos que operam na clínica: Psicanálise pura, psicanálise aplicada e psicoterapia.
É a claudicação do saber, da crença no sintoma que abre um espaço para que um endereçamento possa ser feito a um Outro lugar, na esperança de que o estranho possa ser decifrado. Sim, decifrado, por que o sintoma, sendo a primeira mensagem cifrada, plena de sentido, traz em si o ciframento do gozo, que se apresenta como um ponto sem sentido, como um estranho, como um "x" no caminho do sujeito. Miller nos lembra a propósito do sintoma e a crença que sustenta este sintoma: “Lacan reenvia o sintoma analítico a um fato de crença. Como ele diz, acredita-se. Acredita-se que isso pode falar e que isso pode ser decifrado. Acredita-se no sentido.
Esse "acredita-se" acentua a relatividade transferencial do sintoma. "O sintoma, acredita-se nele", que tanto surpreendeu na sua formulação, é a conseqüência do sujeito suposto saber.” Este é o momento de claudicação, portanto, é quando se instala, no ponto de inconsistência do Outro, um Sujeito a quem se supõe um saber sobre o que seria a sua verdade. Aqui também acrescentaremos uma passagem importante: “Quando se diz "suposto", ninguém supõe. Lacan tinha insistido nisso. O sujeito é suposto, mas ninguém supõe, ele é suposto ao significante.” Para que isto possa acontecer, uma escolha, forçada sem dúvida,  deverá ser feita para que um significante qualquer venha se alojar aí, onde o saber falhou. Este significante será, ele mesmo, integrante do sintoma que se constituirá neste momento. É a transferência que, agora, pode sustentar estrategicamente a direção do tratamento, enquanto signo de um amor que possibilitará um giro de quarto de volta no discurso. Amor que se sustenta, exatamente na crença transferencial que vem na trilha da instalação do que se chama sintoma analítico. “O amor visa o sujeito”. Esta é a fórmula lacaniana que se contrapõe à fórmula do amor narcísico que visa apenas a imagem. 
No entanto, para que as coisas possam continuar caminhando em função da política do tratamento, é fundamental que este lugar ao qual se dirige o analisante em função do amor de transferência seja "cadaverizado", para usar uma expressão que Lacan utiliza em "A coisa freudiana", e que seja anulada a própria resistência do analista, o que equivale dizer que ele não vai simplesmente insistir na significação que o paciente tenta fazer valer nas suas proposições. Este ponto abre a possibilidade de inserir uma passagem que, acredito, é o eixo da tese defendida por Miller: “É preciso primeiramente perceber que é justamente porque se define o real como excluído do sentido que se pode colocar sentido sobre o real. Eu não digo ”no real", eu digo "sobre". O "nó" supõe um campo, e não existe o “dentro” da rodela de barbante.” E ele continua na construção de um importante algoritmo que indica a disjunção entre o Simbólico e o Real que se esclarece a partir da introdução da teoria dos nós que nos indica que os dois “podem permanecer disjuntos entanto separados”: “Pode-se, sobre o real, colocar o saber, mas na perspectiva do real como excluído do sentido, aí colocar saber não é jamais senão uma metáfora. Escrevemos o sentido sobre o real:
Sentido
Real”
Se tomarmos o Grafo do Desejo e colocarmos a claudicação do sintoma em s(A) teremos, no vetor que daí parte, um endereçamento ao (A), enquanto lugar. Se o analista se deixa levar pelo sentido que lhe é proposto, exaltando o Sq, o traço que lhe foi atribuído, ele estará favorecendo uma identificação e esvaziando sua palavra num discurso do convencimento que só vai se prestar a abrir caminho para a circulação no andar inferior do Grafo: s(A) ----- (A) ----- i(a) --- (m). No entanto, para que uma análise possa acontecer é fundamental que, no amor de transferência que se instala, pelo menos um dos dois saiba que não tem o que lhe está sendo atribuído. Isto é o que se espera de um analista: que coloque em operação o desejo do analista que foi constituído em análise.