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segunda-feira, 26 de outubro de 2015

“A Nomeação”: Sobre o nó Borromeu ou Por uma clínica das suplências (I)

Sobre o nó Borromeo

É de nosso conhecimento que desde o início de seu ensinamento Lacan buscou na topologia subsídios para mostrar seus achados clínicos e teóricos. Como vamos utilizar o nó borromeu, convém esclarecer que ele é na verdade uma cadeia e que se o chamamos de nó é por um abuso de linguagem. Jeane Granon-Lafont nos esclarece que “um nó é, com efeito, formado por um único fio que apresenta um trajeto suficientemente particular para não ser reduzido a um simples anel”. A escolha destas “ rodelas de barbantes”, como Lacan as designa em seu Seminário XX, deve-se ao objetivo de homogeneizar as três consistências que os três anéis representam. Lacan faz desta possibilidade de homogeneizar o nó para estabelecer, aí, a escrita da existência.
Se num primeiro momento, Lacan fala que foi por acaso que começou a sua reflexão da cadeia borromeana, esta logo passou a adquirir a dimensão da necessidade. Esta estrutura vem escrever as relações de troca entre os três registros do Real, Simbólico e Imaginário, com o que eles aí escrevem de “medida comum”, fazendo existir aquilo de que se trata na prática analítica.
Ao nos dizer que aconselhava a “usar bestamente” sua topologia, Lacan deixa entrever o sentido de seu procedimento e escreve no Seminário RSI: “Eu somente encontrei uma forma de dar medida comum a esses três termos, Real, Simbólico e Imaginário, que é de enoda-los com o nó borromeano” ... “eu sempre soube que o nó me incitava a enunciar do Simbólico, do Imaginário e do Real alguma coisa que os homogeneizasse”. Trata-se, somente de achar como contá-los, a partir do momento em que a conta começa em três, e saber que o nó não virá somente ilustrar as relações entre estes termos, mas sim criá-las. Ao criar estas relações deixa-se claro que, mesmo que o nó carregue a marca do três, ele empresta a cada elo a unidade, o “um”, que é a “medida comum” e faz compreender suas relações no enodamento.
Estas relações, Lacan as depreende pelo que delas se define pela ex-sistência, pelo furo e pela consistência. A consistência é o laço do imaginário que lhe fornece, na medida que, como nos diz Lacan, a matéria é imaginária, nisso que ela tem de embutido no corpo, e é ao se fazerem três pela adição do imaginário que os outros dois laços se mantêm juntos. A problemática da imagem no espelho talvez venha clarear um pouco esta questão, e vem nos lembrar que para pensar o Real é necessária uma casaca de imaginário, da mesma forma que para dizer do simbólico é necessário o recurso do imaginário, na medida em que para Freud, o “pai morto” seria uma imaginarização do simbólico.
“Assim, como Lacan diz, “real elevado à potência dois”, seria preciso dizer “imaginário elevado à potência dois” para evocar sua consistência: “a consistência, para o falesser, é o que se fabrica e se inventa. Nesse caso, é o nó na medida em que o trançamos, mas justamente não é na medida em que o trançamos, que ele existe. Esta existência é o que responde ao real”. (J. Granont-Lafont).
Quanto à ex-sistência, no momento do enodamento, a consistência, a matéria de cada elo, representada pelo fio de barbante, deve entrar e sair de cada furo. Neste entrelaçamento, é a presença do terceiro que faz nodular os outros dois colocados um ao lado do outro. Lacan define este terceiro, na sua função ex-sistente aos outros dois. Ex-sistir quer dizer se situar alhures, noutra parte, se bem que a presença seja, no entanto, necessária aos outros dois como ponto de apoio. “O ex-sistente é o que gira em torno do consistente e faz intervalo”.
Lacan faz corresponder esse termo ex-sistência ao registro do real, aquilo que por definição não é simbolizado e que está fora do sentido, mas no entanto ele vai dizer que “a ex-sistência não se define senão por apagar todo o sentido”. (Vemos aí a função da interpretação como está descrita no Seminário XI).
Quanto ao furo, esta outra maneira de definir as relações no nó, Lacan vai, num primeiro momento, fazer equivaler ao real e depois ao simbólico: “a correspondência que eu tento primeiramente do furo com um real, se encontrará mais tarde condicionado à ex-sistência. mais tarde Lacan vai dizer que “nós somos conduzidos a colocar que o furo é da ordem do simbólico, o qual eu fundei do significante”.
(Continua...)

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Uma passagem forçada: A Histericização do Discurso

Eu pasmei de invejar tanta pobre criatura,
Correndo ao hiante abismo, e de alma alucinada,
Que tem no próprio sangue a embriaguez que procura
E que prefere a dor à morte e o inferno ao nada.
(O Jogo, Baudelaire)




Afirmar que todos aquele que  procuram um analista chegam a fazer uma análise, não é bem a verdade pois, o percurso de um sujeito é sempre complexo, carecendo de uma série de momentos cruciais onde passagens possam acontecer.
Estes momentos cruciais sempre foram preocupação para Freud e Lacan, que a eles se dedicaram em vários pontos de suas obras, seja ao formalizar um caso clínico, seja na tentativa de teorizar e ordenar logicamente cada um desses momentos.
Em seu texto “A Direção da Tratamento...” Lacan nos diz que um tratamento “se ordena (...) segundo um processo que vai da retificação das relações do sujeito com o real, ao desenvolvimento da transferência, depois à interpretação”.1
O que lhes proponho aqui é fazer uma articulação entre estes três momentos do ordenamento proposto por Lacan e os discurso do mestre, da Histeria e do Analista, respectivamente. A ênfase ao discurso da histeria como uma passagem forçada, para que uma análise possa acontecer, será o eixo de minha proposta.
Quando Maria me procurou para “fazer uma análise”, suas razões para tal decisão eram múltiplas: “quero me conhecer melhor já que a terapia que fiz antes não adiantou, além disso tenho alguns problemas com minha mãe e com meu namorado, sem contar que estou querendo trabalhar, sair de casa e não consigo...”
Suas queixas se desdobravam por um longo fio de um rosário infinito, sem contudo, um sofrimento qualquer vir a se enlaçar em alguma de suas reclamações. Tudo se passava como se não fosse com ela que aquelas dificuldades aconteciam, apesar dela saber muito bem todas as causas destes problemas.
Foi assim que começaram as entrevistas preliminares, este tempo fundamental no desenvolvimento da direção do tratamento.
Estas entrevistas foram logo marcadas por comentários que expressavam a diferença entre esta e a outra “terapia”: o tempo das sessões era mais curto e, principalmente, o analista quase não falava e nem fornecia orientações ou interpretações esclarecedoras.
Ao mesmo tempo em que Maria parecia pedir orientações ou interpretações esclarecedoras, a tônica da posição que ela sustentava era de quem sabia sobre seu sintoma. Ao endereçar seu pedido ao Outro ela o fazia apenas com a solicitação de que lhe fosse confirmado o que sabia.
Dito de outra forma e, desta vez utilizando a topologia dos discursos.
Posso dizer-lhes que até este ponto Maria trazia suas queixas (S1) como agente de um discurso que se dirige a Outro supostamente Saber (S2) que está ali para servi-las e do qual espera obter-se um produto (a) que, sendo do Outro, mantenha afastada, mascarada, a sua verdade. A divisão de quem fala ($).
É o discurso do Mestre fazendo o laço social.
Esta formulação deixa claro, que este é o único discurso a tornar impossível a articulação da fantasia, na medida que nesta relação do mais-de-gozar (a) com a divisão do sujeito ($) há um impedimento que é de estrutura. Relação que se apresenta como fundamentalmente interditada, na medida em que o Mestre renunciou ao gozo no momento em que se expôs à morte.
É por aí que tudo começa: a função da fala, no campo da linguagem, é definida por dois pólos: o agente e o outro, onde um significante representando um sujeito para outro significante traz como consequência um resto que, escapando à articulação significante aí permanece para dizer do que nunca foi, ao mesmo tempo que diz de uma impossibilidade da estrutura: “existe o universo do discurso (...). Porque não há o todo, nada é tudo. O tudo é o índice do conhecimento...”2
Como “o discurso que se mantém, é aquele que pode se sustentar tempo suficiente sem que haja necessidade de demandar-lhe razão de sua verdade”.3 poderíamos aí permanecer, ad infinitum, não fosse um fato simples mas de difícil consecução estar, então, operando: o silêncio do analista. Este fato estabelece uma dissimetria fundamental pois, sustentado por um desejo, marca no Outro a falta de um significante (S(A/)) e diz de um ponto de não-saber neste Outro. Isto vai jogar por terra a consistência que lhe era atribuída até então.
Os sonhos e atos falhos começam, gradativamente, a tomar a cena no lugar dos relatos “certinhos” e magistralmente preparados. Problemas de competição com o saber universitário de sua mãe ganham o centro de sua atenção e trazem o medo de que sua mãe possa morrer.
O que vemos acontecer aqui é o seguinte: Ao ser introduzido, este ponto de não-saber questiona a razão da verdade do discurso que até então se sustentava. A destituição deste Outro suposto saber  promove um giro de quarto de volta sobre a estrutura do discurso fazendo surgir, no lugar de agente, um sujeito dividido ($) entre o saber e a verdade. Sujeito dividido que agora vai dirigir-se a um terceiro a “um homem que será animado do desejo de saber”4, e que possa produzir este saber sobre o que falta para ser restaurada a consistência perdida do Outro.
“Isso que o analista institui como experiência analítica pode se dizer simplesmente – é a histerização do discurso. Dito de outra forma, é a introdução estrutural, por condições de artifício, do discurso da histeria”5 ou seja, era de se esperar que tendo o significante nós nos entendêssemos mas, no entanto, é exatamente por isso que não nos entendemos. “O significante não está feito para as relações sexuais” 6.
Desta forma, se é verdade que no inicio era o discurso do mestre enquanto o que funda a ex-sistência do inconsciente, este “aí ex-siste tanto mais ao se atestar a claras no discurso da histeria”7, desde que exista pelo menos um que se disponha a escutá-lo.
Passagem forçada no trajeto de quem se faz analisar, a histerização do discurso se apresenta como a lei, a regra do jogo.
Esta passagem, onde vemos retificada as relações do sujeito com o real, marca a entrada efetiva no segundo momento da ordenação lógica proposta por Lacan. É quando um trabalho de transferência efetivamente pode ocorrer pois, ali onde o saber falta ao Outro, surge um sujeito suposto Saber enquanto terceiro. Sujeito Suposto Saber o que? Saber o que vale esta pessoa que fala pois, “enquanto objeto ‘a’, ela é queda, queda do efeito do discurso”8 , resto e que portanto, ela não quer um mestre que se acomode aí mostrando-a como alguém que não vale a pena ser escutada.
Em outras palavras, podemos dizer, com Lacan que, “isso que no limite a histérica quer que saibamos é que a linguagem derrapa sobre a amplidão disto que ela pode abrir, como mulher, sobre o gozo. Mas isso não é o que importa à histérica. Isso que lhe imporá é que o outro, que se chama homem, saiba qual objeto precioso ela se torna neste contexto de discurso”9
Maria conseguiu um emprego. Muito animada, a princípio viu neste emprego um belo futuro. Haviam-lhe prometido sucesso rápido. Com o correr dos dias o trabalho foi ficando cada vez mais pesado, até que afinal, disse: “não era bem o que esperava”. O mal estar que esta frustração provocou foi logo apaziguado por um flerte que começou a acontecer no ambiente de trabalho. Tudo passou a girar em torno das presenças e ausências do fulano. O coração batia mais rápido, as mãos suavam e a voz sumia cada vez que ele surgia no fundo do corredor. Assim, tudo parecia caminhar bem até que, um certo dia, o “não” surgiu onde um “sim” era aguardado. A tristeza e a revolta acabaram de tomar posse do cenário. Parecia que ela não valia mais nada: o chefe não lhe escutava as queixas de excesso de trabalho e agora, o galã da firma a havia desprezado. Foi em meio a todas estas coisas que lhe chegou a notícia de que um ex-namorado, dos tempos de adolescência, havia falecido. Ao relatar este episódio e as lembranças daquela época em que se dizia feliz, exclamou: “é... não dá para voltar mais”..” Neste ponto o analista intervêm dizendo : “é ...alguma coisa se perdeu mesmo!...”
É o ato da interpretação que, preparado pelo trabalho da transferência vem marcar o 3º momento da ordenação lógica. É o ato da interpretação que, enquanto verdade específica para este sujeito visa exatamente este ponto de gozo de seu sintoma: “Estou perdida, ninguém me ama”. Com isto, mais um quarto de volta ocorre instalando como agente o objeto ‘a’ ao mesmo tempo que, deslocando o sujeito para o lugar do Outro coloca-o a trabalho para que produza um significante que diga de um saber que possa  operar enquanto verdade.
Talvez, agora, uma análise possa acontecer...


NOTAS BIBLIOGRÁFICAS
1 – Écrits, pág. 596.
2 – Scilicet 2.3, pág. 93.
3 – Séminaire XVI, sessão de 20/11/68.
4 – Séminaire XVII, pág. 36.
5 – Séminaire XVIII, pág. 35.
6 – Séminaire XVII, pág. 36.
7 – Télévision, pág. 26.
8 – Séminaire XVII, pág. 37.
9 – Séminaire XVII, pág. 37.
BIBLIOGRAFIA

Lacan, J. – La direction de la cure et les príncipes de son pouvoir, in Écrits, 
                  Editions du Seuil. Paris, 1966.
Le Séminaire XVI – D’um Autre à l’autre.
Le Séminaire XVII – L’envers de la psychanalyse, Editions du Seuil – Paris, 1991.
Le Séminaires XIX - ... ou pire,
Savoir du psychanalyste, Inédito
Radiophonie, in Scilicet 2.3, Editions du Seuil – Paris, 1970.

Télévision, Editions du Seuil – Paris, 1974.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Da queixa ao sintoma analítico (III)

O discurso do mestre é o discurso do inconsciente. É o discurso que está o tempo todo produzindo sentido. É o discurso do sintoma. É o discurso que mantém sob a barra o sujeito e seu objeto, é o discurso em que normalmente o sujeito chega em nossos consultórios.
No discurso do mestre debaixo da barra está o desejo inconsciente do sujeito, sujeito desejo de objeto. O discurso do analista vai acontecer quando conseguirmos inverter isso, ou seja, passar para cima da barra os elementos que estão escondidos abaixo da barra no discurso do mestre.
Quando Lacan disse que o discurso do analista é o avesso do discurso do mestre, ele tinha em mente a estrutura moebiana. A banda de Moebius é aquela fita na qual se faz uma meia torção e se cola as pontas de tal maneira que podemos percorrer toda a fita sem tirar os dedos de cima dela. Ela é muito interessante porque diz do movimento do discurso do analista. A banda de Moebius tem somente um lado e uma borda , portanto diz muito bem que numa análise só tem um sujeito em questão, o analisante. Ela demonstra bem como sair do discurso do mestre para o discurso do analista  percorrendo um só lado. Assim, topologicamente o discurso do mestre está do mesmo lado do discurso do analista. Se a banda tem um lado só, pode-se chegar ao outro lado, ao seu avesso, sem sair do seu lugar. Ao fazer isso expõe-se a cena que sustenta o sujeito na vida: a cena da fantasia fundamental.
O discurso do analista é pontual porque ele é insuportável. Ninguém consegue estar frente a frente com sua verdade muito tempo e o objeto a é a verdade do falasser do sintoma: é o ser de verdade do sintoma. Lacan define o sintoma como contendo duas partes. Uma  é o ser de verdade que remete ao real da castração, e a outra é o seu invólucro formal: a cadeia de significantes, as palavras, enfim. Então, cada vez que se pronuncia uma palavra,  diz-se da fantasia fundamental. É isso que se chama estilo. A forma que cada um dá ao pouco de realidade que o circunda. 
Sabendo que a estrutura do matema dos discursos traz na sua forma a Banda de Moebius verificamos que ao possibilitar o seu giro vemos passar para cima da barra, no discurso do Analista (a - $), o que está sob a barra no discurso do Mestre ($ - a).

Importante concluirmos dizendo que este giro só acontece se sustentado pelo amor. Pelo amor de transferência. Este amor que se instaura a partir de uma suposição de saber atribuída a quem se oferece como causa. No entanto cumpre ressaltar que esta causa só se sustenta se o analista sabe que o “saber” a ele atribuído, ele não tem. Para isto é preciso fazer operar o desejo do analista. Este desejo construído em análise que propicia ao sujeito do analista ficar fora da cena. Esta é a ética que rege o encontro com um analista.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Da queixa ao sintoma analítico (II)

Temos então a seguinte situação: o sujeito chega e dirige seu pedido, sua queixa, sua demanda, a um outro sujeito qualquer ou, em outras palavras, ele chega com um significante de sua queixa e se dirige a um significante qualquer. Lacan diz que é um significante qualquer mas não é qualquer um. É um significante qualquer porque pode-se escolher qualquer um mas, no momento em que se escolhe, esse "qualquer um" deixa de ser qualquer para ser aquele: o significante da transferência. Isso porque esse significante é o que vai nos dizer do sintoma. O sintoma, este que nada mais é que uma interpretação feita pelo sujeito do desejo do Outro. Por isso o sintoma implica numa certa alienação ao Outro.
 O matema da transferência, desenhado por Lacan no texto da "Proposição de 9 de Outubro", pode ser lida da seguinte forma: Um sujeito chega ao analista trazendo consigo um significante qualquer (S) que é sua queixa, e transfere a um significante qualquer (Sq) uma suposição de saber, constituindo esse outro como “sujeito suposto saber” para que todo seu conteúdo inconsciente seja decifrado e lhe seja devolvido
Diante deste movimento, o analista tem duas possibilidades, pelo menos. Primeiro, ele pode acreditar que sabe e, segundo, ele pode ter certeza de que não sabe. Na primeira possibilidade vamos ter a Psicoterapia e, na segunda, uma possibilidade de análise.
Em 1957/58 Lacan estava seriamente empenhado em esvaziar a parafernália imaginária que os supostos freudianos fizeram com a Psicanálise. Nos anos 30, nos anos pós-guerra e principalmente nos anos 50 a Psicanálise inflou-se de imaginário de uma forma insuportável. Lacan, então, se dedicou a esvaziar esse imaginário ou, em outras palavras,  reduzir o processo analítico a certas fórmulas que ele chamou de matemas que pudessem trazer, como consequência, uma operação lógica e não uma operação imaginária. Um desses elementos é o grafo do desejo.
No grafo do desejo o s(A) significa, em linguagem lacaniana, “significação do Outro”. O sujeito procura a análise porque ele interpretou a significação que o Outro deu a ele... estou falando em interpretação porque isso diferencia do que o sujeito interpretou da realidade.  Vive-se muito mais essa realidade que é nossa interpretação do que aquilo que podemos chamar de realidade exterior. Isso que Lacan chama de significação do Outro é o que se pode chamar um sintoma.
Quando a significação do Outro falha o sujeito vai perguntar ao Outro “o que foi mesmo que você falou comigo?” “Repete o que você quer!” Neste momento o analista pode dizer, se ele acreditar que sabe: “faça assim, seja assim, faça como eu”. O analista mostra uma série de modelos sustentados em um ideal do que deveria ser para fornecer um ideal de identificação.
Seguindo o matema do Grafo do desejo, pode-se dizer que a esse sujeito lhe é oferecido uma i(a), um modelo “x” qualquer a partir do qual ele pode constituir no “m” (de moi = eu) a partir da esperança de ser igual àquele modelo. A esse respeito Lacan diz claramente que “a psicoterapia é um grande mal” porque você acaba com toda e qualquer possibilidade do sujeito que a ela se submete de vir a fazer análise algum dia. Isso porque  a ele é fornecido um modelo que reforça seu sintoma.
 Esta pode bem ser uma primeira consequência da queixa transformar-se em sintoma, ela pode transformar-se em sintoma e permanecer sintoma, e não se transforma em sintoma analítico.
Existe uma outra vertente. O sujeito encontra um analista que o acolhe em seu sofrimento. A partir daí as demandas poderão ser dirigidas àquele analista.
Escutar as demandas não implica ter que respondê-las. Aliás, longe disto. As demandas não são feitas para serem respondidas. Sabe-se que toda demanda, na verdade, é demanda de amor. E o amor? É dar o que não se tem, define muito bem o Dr. Lacan! 
Exatamente por saber da não reciprocidade amorosa - e isto o analista deve saber - , ele deve fazer silêncio para que as demandas que lhe são dirigidas possam retornar levando a própria mensagem de volta a quem demanda. Importante assinalar que esse silêncio não é qualquer um. É aquele que denota a falta de uma palavra que possa responder à demanda e que está muito bem matemizado por S(A/).
Essas duas situações aqui definidas como próprias  à uma Psicoterapia e à uma Psicanálise, podem ser ditas de outra forma. Na Psicoterapia temos dois sujeitos em questão, o sujeito que sofre e o sujeito que sabe e diz as soluções. Numa Psicanálise temos apenas um sujeito em questão: o analisando. O sujeito do analista fica fora e aí se mantém graças ao exercício do desejo do Analista. 

(Continua)